Horas in itinere
1. Caracterização:
A regra geral estabelecida na CLT é de que o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho. Porém, em algumas circunstâncias, também previstas na CLT e incorporadas na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, esse tempo despendido no deslocamento deverá ser computado na jornada de trabalho do empregado. As horas correspondentes a esse deslocamento são denominadas in itinere e, em geral, devem ser pagas como horas normais de trabalho, inclusive com o adicional de hora extra, se for o caso.
O cômputo do deslocamento no tempo de labor parte da ideia estampada no artigo 4º da CLT de que a jornada de trabalho compreende todo o tempo em que o trabalhador esteja à disposição do empregador. Nas hipóteses em que serão devidas as horas in itinere, o fornecimento do transporte na forma ou no horário determinados são do interesse do empregador, constituindo mesmo condição para que disponha da mão de obra daquele trabalhador, naquele local e horário.
A Súmula 90 do TST e o artigo 58, §2º, da CLT estabelecem as circunstâncias em que o tempo de deslocamento deverá ser computado na jornada de trabalho. Na dicção destes dispositivos, haverá direito às horas in itinere quando, em se tratando o local de trabalho de lugar de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.
O fornecimento do transporte pelo empregador por meios próprios ou contratados, seja ele com ou sem custo para o empregado, é a condição primeira para que se inicie a análise da possibilidade de incidência de horas in itinere. Portanto, exceto em situações muito específicas, não há que se falar em direito a horas in itinere nos casos em que o empregado utiliza veículo próprio ou outro meio de transporte, para deslocamento até o local de trabalho.
Também não não há a ocorrência de horas in itinere nos casos em que o local onde a empresa está estabelecida é servido pelo transporte público regular. Para que ocorra hipótese de integração das horas in itinere na jornada de trabalho, além do transporte fornecido pelo empregador, é necessário que a empresa esteja instalada em local de difícil acesso ou não servido por transporte público.
Para Barros (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2009. p. 669), local de difícil acesso é aquele em regra localizado fora do perímetro urbano, impossível de ser acessado pelo trabalhador sem o uso do transporte que o empregador lhe fornece na busca de conseguir mão de obra pontual e assídua. Já Delgado (DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9 ed. São Paulo: LTr, 2010. p.791) afirma que têm sido considerados como de difícil acesso apenas aqueles localizados em zonas rurais, podendo a situação concreta inclusive afastar essa característica.
A deficiência ou insuficiência de transporte público também pode ensejar o direito a horas in itinere, ocorrendo quando conjugadas algumas hipóteses. Uma delas é a própria inexistência do serviço de transporte, prevista tanto no artigo 58, §2º, da CLT quanto no item I, da Súmula 90 do TST, sendo que neste último é acrescentada a exigência de serviço “regular”. Porém, de acordo com o entendimento do TST expressado no item III, da Súmula 90, a insuficiência do transporte público regular não autoriza a contagem do tempo de deslocamento na jornada. É que nesse caso, mesmo insuficiente, o serviço de transporte está disponível ao trabalhador, afastando a incidência de horas in itinere.
O mesmo não ocorre quando há incompatibilidade de horários entre o início e fim da jornada de trabalho e o transporte público regular, motivo pelo qual esta é outra hipótese que gera direito às horas in itinere (Súmula nº 90 do TST […] II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere". Ex-OJ nº 50 da SBDI-1 - inserida em 01.02.1995). Nessa situação,se o transporte não fosse fornecido pelo empregador, o trabalhador permaneceria por um período considerável aguardando a condução para voltar para casa ou teria que chegar muito mais cedo ao serviço para não se atrasar.
Em suma, não havendo transporte público que abranja o local de trabalho ou quando os horários do transporte não forem compatíveis com os de início e/ou término da jornada de trabalho e o empregador fornecer o transporte, essas horas despendidas pelo empregado no deslocamento deverão ser computadas na jornada de trabalho como horas in itinere.
Nas hipóteses em que o transporte público alcance apenas um trecho do trajeto entre a casa do empregado e o trabalho, somente o trecho não servido integrará a jornada de trabalho, como estabelece o item IV da Súmula 90 do TST.
2. Tempo médio de deslocamento estabelecido em instrumento coletivo:
A Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, inseriu na CLT o parágrafo 3º do artigo 58, que prevê para as empresas que se enquadram nesse porte a possibilidade de que instrumento coletivo (acordo ou convenção) estabeleça um tempo médio de deslocamento para o pagamento das horas in itinere e, até mesmo, a forma e a natureza da remuneração. Apesar de essa exceção ser claramente voltada às pequenas e micro empresas, o TST tem admitido que a negociação nesse sentido seja estendida a todas as empresas da categoria econômica, vedando, porém, em qualquer caso, a supressão do direito às horas in itinere ou que seja dado à sua contraprestação natureza que não seja de remuneração (V.G. RO - 0000415-74.2011.5.18.0000, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado., SDC, DEJT: 20/09/2013; E-RR-0000340-45.2012.5.09.0325, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, SDI-1, DEJT 22/8/2014).
3. Tempo de deslocamento no interior da empresa:
Pela relação direta com o tema abordado neste artigo, é oportuno lembrar que, de acordo com a redação da Súmula 429 do TST, também deve ser computado na jornada de trabalho o deslocamento que ocorre entre a portaria da empresa e o local de trabalho, nos casos em que o tempo despendido nesse deslocamento supere o limite de 10(dez) minutos diários. Nesses casos, podemos dizer que temos uma modalidade de hora in itinere que não dependerá do tipo de transporte utilizado, nem da localização geográfica do estabelecimento do empregador, mas, tão somente, do tempo despendido pelo empregado da portaria até o local de marcação da jornada de trabalho e vice-versa.
Ricardo Brand